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Criar games é um trabalho em equipe, com muitas mãos invisíveis

Thais Weiller

01/10/2019 11h00

Quando se é fã de algum esporte, como o futebol, é comum decorar-se o nome dos jogadores titulares do seu time favorito e às vezes até o nome de alguns reservas. A gente conversa sobre eles com outros torcedores, reclama da escalação, elogia (ou não) seus desempenhos individuais, comenta suas vidas pessoais. O que a maioria não fala tanto (com a exceção de alguns torcedores mais fiéis) é de como os mesmos funcionam em conjunto, que frequentemente um grupo de jogadores que se dão bem e estão entrosados podem jogar muito melhor do que um punhado de jogadores estrela que nunca jogaram juntos.

Mas o que realmente passa despercebido para a grande maioria dos torcedores é que os jogadores em campo e no banco, na verdade, são só a ponta do iceberg de uma equipe muito maior

Mas o que realmente passa despercebido para a grande maioria dos torcedores é que os jogadores em campo e no banco, na verdade, são só a ponta do iceberg de uma equipe muito maior, o ápice do trabalho de tantos anônimos que dão duro todo dia para garantir que esses jogadores estejam em seu melhor. Preparadores físicos, massagistas, fisioterapeutas, nutricionistas, médicos, analistas, as próprias famílias dos jogadores que os apoiam; tantas pessoas que, se não estivessem fazendo o seu melhor, as partidas seriam muito menos interessantes de serem vistas.

Não esquecemos deles, necessariamente, por sermos más pessoas ou elitistas. Toda comunicação do futebol é desenvolvida ao redor do culto às pessoas mais visíveis, em especial os jogadores. Mostrar o que acontece atrás da cortina não só daria trabalho como também seria muito menos mágico, como mostrar como salsichas são feitas. É mais fácil acreditar nesses Hércules sobre-humanos que são melhores que o humano médio em todos os sentidos, naturalmente. É mais cômodo também acreditar nisso, tão cômodo que até se vende melhor.

Equipe da Kojima Productions, que lança "Death Stranding" em novembro

Esse efeito de vangloriação do indivíduo pelo trabalho coletivo não é exclusivo aos esportes, é comum em todas as áreas. Nós nos lembramos o nome do primeiro homem a pisar na lua, Neil Armstrong, mas poucos lembram do segundo, Buzz Aldrin, ou do piloto da missão que ficou no módulo tornando tudo possível, Michael Collins. Muitos sequer lembram dos 20 que estavam sempre a postos durante o vôo na sala de controle da missão, ou de todos envolvidos nos cálculos e testes que permitiram o desenvolvimento de tal tecnologia ou ainda dos mais de 400.000 engenheiros que colaboraram de alguma forma com o projeto. 

Evidentemente, o mesmo acontece com games.

Muitos jogadores gostam de se dizer fãs do Miyamoto ou do David Cage ou do Kojima. Mesmo na época em que Miyamoto começou como designer, quando as equipes médias tinham entre 2 a 12 pessoas, personificar todos os méritos de um jogo particular em uma pessoa não era exatamente uma representação fiel do que acontece por trás de um jogo. Mesmo com equipes tão pequenas, também temos a família de cada um dos envolvidos os apoiando, temos todos os testers que cederam suas impressões do jogo e assim contribuíram para que ele fosse melhor, temos todas as pessoas das outras equipes que ajudaram com seus conhecimentos e colaborações. Mesmo se pensarmos em um jogo feito por apenas uma pessoa, toda a comunidade ao redor dessa pessoa e a existência de jogos anteriores colaborou e permitiu que o tal jogo fosse como é. Isso, pensando na realidade dos anos 1980, que não é a mesma de hoje.

Mesmo na época em que Miyamoto começou como designer, quando as equipes médias tinham entre 2 a 12 pessoas, personificar todos os méritos de um jogo particular em uma pessoa não era exatamente uma representação fiel do que acontece por trás de um jogo

Hoje, a maioria dos jogos AAA, comos aqueles em que Kojima, Cage e Miyamoto trabalham, têm no mínimo 100 pessoas participando diretamente (só para confirmar, olha os créditos de Detroit: Become Human). Atribuir todos os méritos do seu jogo favorito a uma pessoa, como diretor, é o equivalente a atribuir as vitórias do campeonato do seu time ao diretor do clube e unicamente a ele. 

A partir de hoje, vamos falar sobre essas mãos. Vamos conversar sobre os diferentes profissionais que participam na criação de um jogo nas diferentes configurações possíveis de um estúdio. Até a próxima, amiguinhos!

Sobre a autora

Thais Weiller é mestre pela ECA-USP pesquisando game design, com uma dissertação que virou um livro e um blog. Ela trabalhou em games como “Oniken”, “Odallus”, “Finding Monsters”, “Rainy Day” entre outros, e também fundou, junto com Danilo Dias, a desenvolvedora JoyMasher. Atualmente, Thais dá aulas de design de jogos na PUC do Paraná.

Sobre o Blog

Quais os mitos e fantasias que influenciam nosso comportamento e afetam nossa paixão pelos games? Neste espaço, Thais vai trazer a perspectiva dos pesquisadores e desenvolvedores de jogos para nos ajudar a entender os games de uma maneira diferente.