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Organizando a bagunça que é um jogo (ou: Qual é o papel de um produtor?)

Thais Weiller

28/01/2020 15h00

Jogos são a mistura e a harmonização de várias coisas bem diferentes, feitas por profissionais bem diferentes. Temos programadores, artistas, designers, músicos, sonoplastas, testers e tantos, mas tantos outros profissionais incríveis e… diferentes. E a forma pela qual encontram essa harmonia no meio de tantas habilidades e capacidades diferentes vem do trabalho de outro desses profissionais únicos: o produtor.

Embora eu tenha mais experiência e prefira trabalhar com a área de game design, produção é minha segunda área. Produção soa meio estranho, misterioso e vago, então vamos falar o que faz um produtor na área de games. O nome foi emprestado da área audiovisual, onde temos produtores como uma das pessoas responsáveis por fazer o filme ou série acontecer. Entretanto, o produtor na área de jogos está mais próximo em atividades e responsabilidades a um gerente de projeto do universo da criação de softwares. Como sempre, videogames são complicados não por serem realmente complicados mas por serem uma mistura de elementos muito distintos, várias coisas bem diferentes sendo equilibradas com cuspe e fita crepe.

Como um gerente, a função do produtor envolve organizar as pessoas de seu time para fazer o melhor trabalho possível dentro do tempo que lhes foi dado para determinada atividade. Porém, diferente do gerente comum, a maioria dos produtores não está em um nível hierárquico acima de sua equipe, eles têm o mesmo poder e status e a diferença de papel está só em sua função. Em alguns estúdios, entretanto, os produtores podem, sim, estar acima de sua equipe na fila do pão, mas isso varia  muito de lugar pra lugar. 

Outra coisa que depende do estúdio, das pessoas envolvidas e do próprio produtor é a metodologia de gerenciamento que ele decide usar com seu grupo. O mais comum são metodologias baseadas em Scrum, mas não exatamente o Scrum que você vê em desenvolvimento de software. Comumente, em desenvolvimento de software o Scrum é levado ao pé da letra, com todas suas pequenas regras sobre encontros diários e time box com tempo fixo, enquanto em jogos tomamos mais liberdade com a regras tendo em vista a natureza mutável de um jogo. Softwares geralmente começam com uma documentação que explana tudo que ele deve ser nos mínimos detalhes, enquanto jogos são criados enquanto são feitos, o que torna sua existência bem mais imprevisível.

Exemplo de um processo de "Scrum" em desenvolvimento de software

As principais características do scrum que são utilizadas em jogos são o backlog, o sprint e a daily.

Backlog é uma lista de tudo o que precisa ser feito no projeto, geralmente ordenado em relação à importância ou o que precisa ser feito primeiro em relação às demais coisas.

Sprint é um espaço de tempo pré-determinado em que, no começo, a equipe decide quais tarefas do backlog se responsabiliza em fazer. Ao fim do sprint, é feita uma comparação entre o que foi planejado no começo e o que foi, de fato, feito (revisão) e tenta-se descobrir o motivo de discrepâncias (retrospectiva), de forma que nos próximos sprints não se cometa os mesmos erros.

Daily se refere a uma curta reunião diária, feita com todos os membros da equipe em que eles falam o que fizeram no dia anterior e o que pretendem fazer no dia presente. A ideia da daily é ser o mais curta possível ao mesmo tempo mantendo todos da equipe cientes do que cada pessoa está fazendo. Se algo que algum membro vai fazer ou fez tem relação a atividades de outro colega, a daily é o momento em que eles identificam isso, mas a conversa sobre isso é feita fora da daily pois possivelmente não seria relevante para toda equipe, só para as duas ou três pessoas envolvidas nessa tarefa. 

Tetris é sua última sua última provação como produtor, encaixando peças do backlog dentro do sprint de forma em que todo mundo use seu tempo da melhor forma possível e fazer as tarefas desaparecerem.

Essa é minha parte favorita da produção por que é também a parte mais útil para o resto da sua vida. Ser capaz de listar coisas que precisam ser feitas, criar um limite do que você pode se preocupar no momento e esquecer o resto, enquanto você foca na ação de fazer e só então retomar a visão do todo quando for necessário. É uma habilidade muito útil, independentemente se você está produzindo um grupo com 40 pessoas ou seu próprio aprendizado. 

Existem vários níveis e tipos de produtores diferentes. Em estúdios maiores, cada célula de produção tem um produtor. Todos esses produtores destes grupos têm um produtor para o grupo deles. Há também o cargo de produtor executivo que, em geral, é alguém que cuida do gerenciamento de profissionais e empresas que não estão sob o mesmo teto do resto do grupo.

Espero que esse humilde texto tenha dado a vocês uma visão mais clara do que um produtor de jogos faz, o quão importante é seu trabalho e como, no fim das contas, as responsabilidades principais de um produtor não são tão diferentes das suas no seu dia a dia (embora em uma escala bem diferente). E lembrem-se: sempre que houver algo que vocês gostariam de saber mais sobre desenvolvimento, me mandem um twit! Quem sabe não vira texto?

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Sobre a autora

Thais Weiller é mestre pela ECA-USP pesquisando game design, com uma dissertação que virou um livro e um blog. Ela trabalhou em games como “Oniken”, “Odallus”, “Finding Monsters”, “Rainy Day” entre outros, e também fundou, junto com Danilo Dias, a desenvolvedora JoyMasher. Atualmente, Thais dá aulas de design de jogos na PUC do Paraná.

Sobre o Blog

Quais os mitos e fantasias que influenciam nosso comportamento e afetam nossa paixão pelos games? Neste espaço, Thais vai trazer a perspectiva dos pesquisadores e desenvolvedores de jogos para nos ajudar a entender os games de uma maneira diferente.


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