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Fazendo jogos enquanto o mundo pega fogo

Thais Weiller

26/05/2020 14h00

(Crédito: Peacefoo/iStock)

Semana passada falei de como jogos podem nos ajudar a passar por momentos difíceis, como esta quarentena. Hoje, quero falar sobre como esses tempos difíceis tratam quem faz jogos.

De minha parte, pouco mudou. A JoyMasher somos o Danilo e eu e nós já trabalhávamos do escritório que fica em nosso lar. Trabalhamos com nossos parceiros (Iuri Nery para o Blazing Chrome e o André Yin para o Moonrider) de forma remota desde sempre, mesmo com André que mora na mesma cidade que nós. Os impactos e efeitos da quarentena nos afetam de todos os lados mas não na rotina do trabalho, que permanece praticamente igual.

A realidade de muitos desenvolvedores independentes é muito próxima da nossa. A maioria de nós trabalha de casa ou de um escritório com poucas pessoas, a maioria de nós usa a internet para a maioria das coisas, em especial comunicação. A maioria dos nossos jogos está disponível majoritariamente por lojas virtuais, em distribuição digital, recebendo pouquíssimo impacto nas vendas. Para nós, o maior problema vem de todo o resto que não seja o trabalho; no trabalho há até o conforto de algo que não mudou muito em um mundo completamente diferente.

Esta não é a realidade de desenvolvedores que trabalham para estúdios maiores, em especial em outros países. Como no Brasil estamos de quarentena, mesmo que a trancos e barrancos, há alguma pressão social para se trabalhar de casa. Somado a isso está como a maioria dos devs tem intimidade em usar ferramentas para comunicação digital e a facilidade de se trabalhar colaborativamente online com o tipo de coisas que fazemos, resultado em uma grande parte dos estúdios permitindo que o pessoal trabalhe de casa. Há exceções, sempre existem os chefes néscios, mas praticamente todos com quem falei aqui no Brasil estão trabalhando de casa.

Isso complica muito em países que não estão tomando medidas de contenção ou em que fake news encontram solo fértil e onde as relações trabalhistas são menos estruturadas, como por exemplo os Estados Unidos. Lá, em que praticamente todos os estúdios possuem dois tipos distintos de contrato de trabalho sendo eles empregados (semelhantes a um empregado com carteira assinada aqui) e contractors (semelhante aos informais ou PJ aqui), o tratamento destas duas castas é completamente diferentes. Enquanto muitos estúdios se gabam de ter permitido home office para seus funcionários o que eles deixem de comentar é que este benefícios comumente é oferecido apenas para os empregados e não para os contractors, que chegam a ser mais da metade de um estúdio por custam menos e terem menos direitos. Mês passado, a Naughty Dog entrou em uma enrascada quando foi vazado que o departamento de QA, todo ele composto de contractors, foi obrigado a trabalhar e fazer hora extra no escritório enquanto o vírus se espalhava por Los Angeles e seus salários eram congelados. 

A Naughty Dog, desenvolvedora de The Last of Us II, foi acusada de mau gerenciamento de funcionários

Se está difícil para nós, que podemos trabalhar da segurança da nossa casa, imagine para esses contractors arriscando diariamente suas vidas por que empresários não queriam atrasar o lançamento do próximo The Last of Us Part II. Felizmente, com o vazamento dessa informação houve uma reação bem negativa entre o público e a Sony, dona da Naughty Dog, preferiu parar de colocar a vida de seus trabalhadores em risco a má publicidade que resultaria de continuar com essa estratégia e atrasou o lançamento do jogo. Infelizmente, muitos trabalhadores que trabalham em jogos menos conhecidos ou cujos problemas são melhores escondidos por seus contratantes não têm a mesma sorte. Inclusive aqui no Brasil, onde a maioria dos devs trabalha em títulos que a maioria dos gamers prefere ignorar ou fingir ignorar.

O caso de The Last of Us mostra o quanto vocês, jogadores, têm poder sobre a vida e bem estar das pessoas que fazem os jogos que tanto amamos. Lembre-se disso quando quiser reclamar de algum jogo, pergunte-se se sua crítica está de fato ajudando o jogo a ser melhor a ajudando a vida das pessoas que o fazem. Quando essa ameaça viral estiver sobre controle e estivermos no novo normal, não se esqueça do poder que você tem sobre as pessoas que fazem os jogos que você joga.

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Sobre a autora

Thais Weiller é mestre pela ECA-USP pesquisando game design, com uma dissertação que virou um livro e um blog. Ela trabalhou em games como “Oniken”, “Odallus”, “Finding Monsters”, “Rainy Day” entre outros, e também fundou, junto com Danilo Dias, a desenvolvedora JoyMasher. Atualmente, Thais dá aulas de design de jogos na PUC do Paraná.

Sobre o Blog

Quais os mitos e fantasias que influenciam nosso comportamento e afetam nossa paixão pelos games? Neste espaço, Thais vai trazer a perspectiva dos pesquisadores e desenvolvedores de jogos para nos ajudar a entender os games de uma maneira diferente.


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