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Por trás do jogo: O arquiteto de tudo, o game designer

Thais Weiller

31/03/2020 14h00

Depois da apresentação das áreas de desenvolvimento de jogos, eu convidei diferentes profissionais para falarem da sua área diretamente aqui no Blog. O André Asai é game designer e produtor da Loud Noises, fez jogos como o Headblaster e é um dos organizadores do Firma Gamedev e do Firmeza.

A versão idealizada, glamourizada e completamente errada que o público tem do game designer é a de que ele é o "cara das ideias", a pessoa que dita para os outros membros do desenvolvimento como o jogo vai ser. Para essas pessoas, existe um texto perfeito para resumir o trabalho de um game designer, texto "O Problema da Porta" da game designer da Ubisoft Montreal, Liz England:

"A premissa: Você está criando um jogo.

  • Existem portas no seu jogo?
  • O jogador pode abrir portas?
  • O jogador pode abrir TODAS as portas do jogo?
  • Ou algumas portas são apenas para enfeite?
  • Como o jogador vai saber a diferença?
  • As portas que o jogador pode abrir vão ser verdes e as portas que não podem ser abertas vermelhas? Vai ter uma pilha de lixo na frente das portas que você não pode usar? Você vai só remover as maçanetas e dar como resolvido?
  • As portas podem ser trancadas e destrancadas?
  • O que mostra para o jogador que uma porta está trancada e pode ser aberta, ao contrário de uma porta que nunca pode ser aberta?
  • O jogador sabe como destrancar uma porta? Ele irá precisar de uma chave? Hackear um computador? Resolver um puzzle? Esperar até ele chegar em um momento da história?
  • Existem portas que podem ser abertas, mas o jogador pode nunca passar por elas?
  • Da onde os inimigos vêm? Eles aparecem através das portas? As portas se trancam depois?
  • Como o jogador abre a porta? Ele simplesmente anda por ela e a porta corre para dentro da parede? Ela se abre em movimento de arco? O jogador tem de pressionar um botão para abrir a porta?
  • As portas se trancam quando o jogador passa por elas?
  • O que acontece quando existem dois jogadores? A porta irá se trancar apenas quando ambos os jogadores passarem pela porta?
  • O que acontece se a fase for MUITO grande e não dá para todas as portas da fase existirem ao mesmo tempo? Se um jogador ficar muito para trás, o chão pode simplesmente desaparecer debaixo deles. O que você faz?
  • Você impede que o jogador mais avançado prossiga até os dois jogadores estarem na mesma sala?
  • De que tamanho é a porta?
  • Ela tem de ser grande o suficiente para o jogador passar por ela?
  • E em jogo cooperativo? Se o jogador 1 estiver parado em frente à porta – ele irá bloquear o jogador 2?
  • E com aliados que estiverem te seguindo? Quantos conseguem passar pela porta ao mesmo tempo sem ficarem presos?
  • E os inimigos? Os mini-chefes que são grandes precisam passar pela porta?"

Portas não são portas em game design.

Como deu para perceber pelo exemplo acima, o trabalho do game designer é arquitetar a experiência do jogo, que engloba regras, objetivos e desafios. Mas, como isso se traduz para o dia-a-dia?

Em equipes grandes, como em projetos AAA, existirão game designers especializados em parte específicas do jogo. Assim podemos ter o lead designer, que será responsável por tomar decisões que afetam a experiência macro do jogo; o level designer, que será responsável por arquitetar o espaço que o jogador irá ocupar, navegar e interagir; o designer de sistemas, que irá definir como os elementos do jogo interagem entre si, desde como missões irão funcionar dentro de um jogo até variáveis como quantos pontos de experiência o jogador irá receber por derrotar um inimigo específico ou quantos itens o jogador poderá carregar.

Já em equipes pequenas, todos esses papéis são executados ou por uma pessoa específica designada como game designer, ou esses papéis são compartilhados entre todos os membros da equipe, como por exemplo o programador ou artista que também irá desenhar a fase ou criar ou melhorar alguma mecânica.

Engana-se as pessoas que acham que o game designer tem a palavra final a respeito de como um jogo irá funcionar. O game designer pode ser o "arquiteto" do jogo, planejando como o jogo irá se comportar, mas é uma necessidade o constante diálogo entre todas as outras áreas do desenvolvimento, principalmente, como dito no vídeo do Extra Credits sobre game designers, "toda vez que você toma uma decisão como um designer, o que você está fazendo é pedir para as pessoas trabalharem. E trabalho custa tempo e dinheiro, e você tem uma quantidade finita das duas coisas nos seus projetos". Talvez as duas habilidades mais importantes para o trabalho de um game designer sejam a habilidade de comunicação e a humildade em receber feedbacks, tanto de seus parceiros de trabalho quanto de seus jogadores, para melhorar partes do seu jogo, ou, em casos extremos, descartar partes do seu jogo que não funcionam.

Dito isso, existe uma pequena lista de habilidades que não são exatamente pré-requisitos, mas que serão de grande ajuda para o seu trabalho como game designer:

1 – Habilidade de comunicação textual e pictórica

Como já disse algumas vezes nesse texto, o game designer precisa comunicar ideias, muitas vezes abstratas, para a equipe de desenvolvimento. Grande parte dessa comunicação serão através de documentos, então seria bom se ele estiver escrito de forma sucinta e em português (ou o idioma que você estiver escrevendo) correto e fácil de entender. Quando a linguagem em texto for insuficiente, você pode recorrer a imagens e diagramas para melhor transmitir a informação. Não falo da necessidade de saber desenhar, mas saber caçar imagens e gifs na internet e um conhecimento básico de fotomontagem. Uma imagem, ainda que mal desenhada, vale mais do que mil palavras!

Lindão esse GDD (Vlambeer)

2 – Matemática

Em qualquer jogo, seja digital ou analógico, em algum momento você terá de lidar com números. Pode ser coisas simples, como qual a porcentagem de se tirar o mesmo número se você lança dois dados (a resposta é aproximadamente 0,16% para os curiosos), ou perguntas como "ao derrotar um inimigo, o jogador tem 16% de chance de conseguir uma espada e 32% de chance de conseguir um escudo. Levando em consideração que em uma fase o jogador irá enfrentar 3 monstros iguais, e cada monstro entrega apenas um item, quais as chances do jogador não conseguir nenhum item após as 3 batalhas?" (14,06%). Para isso, o game designer deverá estar preparado para passar um bom tempo realizando cálculos e encarando uma planilha.

O melhor amigo do game designer, a planilha

3 –Conhecimentos gerais de como as outras áreas do desenvolvimento trabalham (Arte, Programação, Áudio, Gráficas)

Como você irá planejar um jogo e pedir trabalho para as outras pessoas sem ao menos saber como essas áreas trabalham?

4 – REPERTÓRIO!

O trabalho de um game designer é desenhar experiências. Como ele irá fazer isso sem ter um repertório generalizado? Não falo apenas de repertório em jogos, uma vez que se você só usa outros jogos como inspiração para seu projeto ele provavelmente ficará derivativo e não acrescentará algo novo, mas repertório de outras mídias, outras experiências e vivências. Shigeru Miyamoto se inspirou em sua experiência de explorar os campos, bosques e cavernas nos arredores de Kyoto quando criança para o Legendo f Zelda, e Satoshi Tajiri se inspirou em sua paixão por insetos e colecionismo para fazer Pokémon. Já tive de desenhar jogos para clientes que foram necessários conhecimentos de como funciona a cadeia de produção e transporte de petróleo e a malha ferroviária brasileira. Assim como qualquer mídia, você pode imprimir estilos estéticos, filosofias e visões de mundo dentro dos seus projetos, de forma consciente ou não. É uma frase clichê, mas você nunca sabe de onde você tirará inspiração para seu próximo projeto.

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Sobre a autora

Thais Weiller é mestre pela ECA-USP pesquisando game design, com uma dissertação que virou um livro e um blog. Ela trabalhou em games como “Oniken”, “Odallus”, “Finding Monsters”, “Rainy Day” entre outros, e também fundou, junto com Danilo Dias, a desenvolvedora JoyMasher. Atualmente, Thais dá aulas de design de jogos na PUC do Paraná.

Sobre o Blog

Quais os mitos e fantasias que influenciam nosso comportamento e afetam nossa paixão pelos games? Neste espaço, Thais vai trazer a perspectiva dos pesquisadores e desenvolvedores de jogos para nos ajudar a entender os games de uma maneira diferente.


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